terça-feira, 20 de julho de 2010

Artigo para revista Ímpeto

COMO O ESTUDANTE DE ARQUITETURA É PREPARADO PARA
CRIAR O LUGAR DO SEC. XXI?

Autora: Karen Nency Ferreira – Karen.aur@gmail.com
Estudante de Arquitetura e Urbanismo

Pretende-se com esse artigo questionar o preparo que nós acadêmicos de arquitetura estamos recebendo para criar o lugar do século XXI. Que lugar é esse? Como nós, enquanto futuros arquitetos e urbanistas deveremos nele atuar?
O Arquiteto cria lugares no espaços, e os pensa na tentativa de expandir o conhecido, desafiar o desconhecido e descobrir o novo. Ora é responsável em criar o lugar dos sonhos ou das realidades, ora, em prever o lugar do futuro sem esquecer do passado. Ele é peça importante para sua criação e concepção conforme uma necessidade específica, seja ela qual for.
Mas para nós, enquanto alunos de arquitetura e urbanismo, o que é um lugar? Como entender e criar o lugar que nos será exigido no futuro e que lugar será esse? Yi-Fu Tuan coloca que muitas vezes o significado de espaço se funde com o de lugar, uma vez que as duas categorias não podem ser compreendidas uma sem a outra. Segundo ele, o que começa como um espaço indiferenciado, transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor.
O espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significado [...]. Quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar [...] são centros aos quais atribuímos valor e onde são satisfeitas as necessidades biológicas de comida, água, descanso e procriação. (REIS-ALVES, 2007 apud TUAN, 1983)
Ainda segundo Tuan, a relação do usuário com o espaço é de extrema importância para a transformação do mesmo em lugar. De acordo com esse posicionamento, cabe questionar, de que forma nós, estudantes de arquitetura, estamos sendo preparados para lidar com esse usuário, e, principalmente, para projetar o seu lugar. Esta questão passa pelo ensino que é recebido nos cursos de arquitetura. Ao refletir sobre o assunto, o Arq. Professor Joan Villa explica que hoje em dia os alunos tem mais interesse e dedicação ao estudo de arquitetura, porém apresentam déficit em se tratando de posicionamento e senso crítico sobre o que estão projetando. “Percebo, que o interesse dos alunos vem crescendo. Eles são mais dedicados e informados, mas talvez menos críticos."
Podemos perceber este problema também sendo levantado por alguns alunos. Essas opiniões são lançadas, em sua maioria, de maneira informal, através de sites e fóruns estudantis, como é o caso do acadêmico Petter Isackson que escreve em um site:
[...] Outros males ainda dificultam o aprendizado de projeto, como a falta de uma mentalidade crítica dos alunos – ora como se pode aprender projeto sem uma percepção crítica do que estamos fazendo [...] Onde está a teoria de projeto e a interatividade com as outras disciplinas do curso?
O aluno ainda contrapõem sua indignação com uma citação de Edson Mahfuz, arquiteto e professor de projeto da UFRGS:
[...] parece inquestionável que a disciplina de prática de projetos é a mais importante, pois é nela que se realiza a síntese de todos os conhecimentos necessários ao projeto de edificações, espaços abertos e de urbanismo.
Se as lacunas existem e estão latentes dentro do processo de ensino de projeto de arquitetura, que, conforme citação acima é a disciplina que rege as demais, de onde elas poderiam estar vindo? Porque persistem em atingir a maioria dos acadêmicos sejam eles formandos ou recém iniciados no curso? Será esta, a manifestação de um sistema não mais eficaz atualmente e que pelo que percebemos é majoritário?
Ao estudar o início do sistema de ensino modernista no Brasil, Ströher busca referenciar-se nos estudos publicados por Carlos Eduardo Comas e coloca:
[...] as contradições intrínsecas ao marco ideológico modernista, gerado no seio de um pequeno grupo de arquitetos vanguardistas europeus entre os anos 20 e 30, do século XX, são absorvidas pelo sistema de ensino brasileiro a partir dos anos 50 sem maiores questionamentos, talvez em função das grandes realizações que nossa arquitetura havia produzido pouco antes, fundamentada naquela ideologia.[...] As duas proposições modernistas para a concepção do partido arquitetônico são: a idéia de que o projeto é conseqüência natural de uma correta interpretação do programa e da escolha da técnica que melhor se compatibilize com a função; e a idéia de que a excelência em arquitetura será obtida pelo gênio inspirado, latente em cada profissional e estudante.
Ao lermos essa citação, entendemos que o aluno de arquitetura só se tornaria um arquiteto, caso ja estivesse sido “abençoado” com a graça do saber projetar logo ao nascer. Novamente estes termos, enquanto “regras” para se aprender e ensinar a projetar são citados logo abaixo, por Ströher ao abordar o pensamento do também professor Rogério Oliveira.
[...] Quando fala sobre o gênio, o faz sob o pressuposto modernista de que a “arquitetura não se ensina”, pois o gênio do aluno deverá captar, com uma espécie de antena (nas palavras de Colin Rowe e Fred Koetter – Collage City – citados por ele), os desígnios de alguma musa, a quem compete criar obras originais, sem referências.
Ströher também publica em seu artigo o depoimento de um aluno que diz ter recebido, na década de sessenta, o ensino de arquitetura conforme o que poderíamos chamar o método moderno.
Nesse sentido, meu depoimento de estudante da década de sessenta, reflete bastante aquilo que poderíamos chamar aplicação do método Bauhaus ao ensino da arquitetura. Convém salientar que um ano antes de meu ingresso na Faculdade, o currículo do curso havia sofrido uma radical transformação, visando a adequar o ensino aos padrões de modernidade que quase todos os arquitetos vinham praticando há bastante tempo. Coerentes com a ideologia e com os princípios modernistas, os professores recusavam, de maneira geral, o debate estético sobre o projeto e o fornecimento de parâmetros projetuais que não fossem o simples programa e poucos textos de Le Corbusier ou de Lúcio Costa. Esperava-se que se aprendesse a fazer arquitetura, fazendo arquitetura, e, como a produção dos alunos, na maioria das vezes, não atingia o nível pretendido, além do velho refrão “tente outra vez”, que sempre caracterizou o processo de ensino em várias disciplinas, pairava no ar uma certa inquietação, uma expectativa para que os estudantes captassem, sabe-se lá como, algum espírito da época que os incluiria no estrito rol daqueles que tinham jeito para a arquitetura (expressão muito utilizada pelos professores que circulavam pelos ateliês de projeto). 6
Conforme o autor conclui, a soma desses procedimentos, parecia partir do pressuposto de que o aluno sabe projetar, um princípio que parece estar implícito em quase todos os métodos posteriores aos anos de 1960.
Se o sistema de ensino modernista utilizado na formação do arquiteto de 1960 já era considerado pelos próprios alunos um sistema ineficiente para a prática do projeto da época, porque, como Ströher coloca acima, este sistema de ensino ainda é vigente até os dias de hoje na maioria dos cursos de arquitetura do nosso país? Será que, a realidade e necessidade das nossas cidades não mudaram muito desde o período modernista?
A globalização está em curso, entre outras coisas, por causa de duas revoluções: a Tecnológica e a da Informática, que juntas romperam fronteiras e trouxeram o avanço econômico e industrial para as cidades. O conceito e a necessidade do viver, morar, usar e gostar mudou muito.
Em 1900 só 1 % da população mundial morava em regiões metropolitanas. Hoje, metade da população vive nas cidades e, segundo estudos da ONU para o ano 2025, essa percentagem elevar-se-á para 63%; na América Latina, Ásia e em muitas outras partes do mundo esta última percentagem já foi sobejamente ultrapassada. [...] Por volta de 2050, o mundo deverá ter mais 3 bilhões de pessoas do que as atuais, atingindo o total de 9 bilhões de habitantes; estima-se que só na Ásia haverá 50 mega-cidades com mais de 20 milhões cada.
Com os avanços tecnológicos e econômicos, as metrópoles tornam-se atrativas para o trabalho e consumo, o número propulacional aumenta, as cidades incham e consequantemente passa a existir uma maior necessidade da criação de mais e novos lugares para se viver e trabalhar. O consumo de materiais e os gastos nas construções aumentam, consequentemente, seus resíduos também.
Nós acadêmicos, com a formação que recebemos hoje saberemos como lidar com essas mudanças? Conforme explica Afonso 9, o arquiteto desse novo século, não poderá deixar de se preocupar com novas propostas de materiais, de soluções construtivas, tipologias formais e recliclagem de materiais e componentes, sendo esses importantes para a redução dos custos, dos gastos energéticos e da poluição ambiental.


Limena ao falar das cidades complexas do sec. XXI, especula sobre o lugar do futuro.
Podemos ter esperanças para nossas cidades? O que, em particular, podemos delas esperar? Todos nós almejamos viver em lugar seguro, sem transtornos e felizes; entretanto, que essas esperanças possam vir a ser fundadas numa outra forma de pensar a cidade, não mais a partir de padrões normativos ideais, mas no alargamento da imaginação, que deve contribuir para a apropriação do tempo, do espaço, da vida e do desejo, de modo a introduzir o rigor na invenção e o conhecimento na utopia. 10
A realidade do século XXI é diferente, é nova, é desafiadora, cabe ao arquiteto pensar o novo lugar-cidade, seu uso, seu sentido, sua necessidade. Que arquitetos serão esses? Respondendo, nós, os estudantes de arquitetura de agora. Porém, será que estamos aptos a isso recebendo o ensino que em muito ainda lembra o nosso passado histórico moderno? Este sistema ainda funciona? Ou deveria ser revisto para atender aos novos tempos?
Karen Nency Ferreira


2 comentários:

  1. Eu fico muito contente quando encontro pessoas que saibam falar a mesma língua que eu! rsrsrs

    Ah valeu, obrigado por ter me citado, isso é emocionante hahaha, a revista foi publicada, quando for você me avisa que eu vou tentar baixar!

    Bem, você coloca várias questões interessantes, como as definições de espaço e lugar. Eu gostei muito quando você questiona se "a realidade e necessidade das nossas cidades não mudaram muito desde o período modernista?"

    O ensino de arquitetura deve acompanhar a realidade vivida por uma sociedade e isso inclui coisas complexas a questão social, econômica, política, cultural...

    Um dos grandes desafios da arquitetura e do urbanismo no Brasil, é a questão habitacional, exatamente devido ao crescimento vertiginoso dos centros urbanos... há um arquiteto muito querido entre eu e meus colegas (pois ele é meio doido que nem a gente rsrs)que comenta o seguinte: "nós temos que nos preocupar é com a moradia, isso sim que importa! A moradia que eu falo não é a casa, é a cidade essa sim é a nossa grande moradia!"

    Até mais, abraços!

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  2. O conteúdo do seu blog está muito produtivo.

    Um abraço Decori

    www.decori.com/blog

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